quarta-feira, 18 de novembro de 2015

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Artigo Jornal "As Artes entre as Letras" 16 de Setembro



E SE FALÁSSEMOS DE MÚSICA?

Nós, os Portugueses, somos particularmente maus a divulgar o nosso património cultural e artístico.

Esta afirmação é tanto mais válida e correcta quando se refere à nossa Música.

A este propósito permito-me contar-vos hoje 2 episódios esclarecedores e paradigmáticos que se passaram comigo:                                                                                                 

1 – No já longínquo ano 2000, quando transportava no meu carro um conjunto de convidados do Festival e Concurso Internacional de Guitarra da Trofa de regresso ao hotel onde ficariam alojados, o leitor de CDs do automóvel começou a tocar a 1ª Sonata para Violino e Piano de Luís de Freitas Branco (1890-1955), na versão do Violinista Tibor Varga e do Pianista Roberto Szidon (Ed. Strauss de 1995).

Madame Danielle Ribouillaud – então Directora da Revista “Les Cahiers de La Guitare”, Doutora em Musicologia pela Universidade de Paris-Sorbonne, colaboradora regular das Rádios “France Musique” e “France Culture” - disparou então subitamente em francês:

- Ah! Que Música maravilhosa! É César Franck, não é?

Respondi apenas:

- Não, não é, Madame.

Então, e não obstante a origem belga deste compositor, insistiu:

- Bem… Mas isto é certamente Música de um Compositor Francês do Século XX que neste momento não estou bem a reconhecer…

- Não, Madame, não é. – Repeti.

- Não me diga que é de um Compositor Português!? Não é possível! Não posso acreditar!

- Efectivamente, Madame. É a 1ª Sonata para Violino e Piano de Luís de Freitas Branco.

            Encurtando pormenores: Ofereci-lhe o CD. Tempos mais tarde escreveu-me, agradecendo-me uma vez mais o facto de lhe ter dado a conhecer um Compositor tão importante e mostrando-se embaraçada por nunca até então ter sequer ouvido falar de Luís de Freitas Branco.

            2 – O 2º caso passou-se com um dos convidados do Ciclo de Concertos “Pianistas Bracarenses”, que organizei em Braga em 2009 e 2010, o Pianista Domingos Costa.

            À época aluno da Hochschule für Musik Stuttgart, contou-me, a propósito da sua interpretação das Variações sobre um Tema Popular Português Op. 1 de Fernando Lopes Graça (1906-1994) que um dos seus professores desta prestigiada Universidade Alemã nunca tinha ouvido falar neste Compositor. Inquirido pelo aluno sobre quais os Compositores Portugueses que ele conhecia terá então respondido: Carlos Seixas (1704-1742) e muito vagamente um tal Emanuel Nunes (1941-2012) embora relacionando este último muito mais com a França e com o IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique) de Paris do que propriamente com Portugal.

            Como Português senti-me indignado.

Escrevi-lhe uma carta e enviei-lhe pelo correio a integral das Sinfonias de Joly Braga Santos (1924-1988) nas magníficas interpretações das gravações mais recentes do Maestro Álvaro Cassuto para a Editora Naxos (colectânea que inclui as 6 Sinfonias e mais 11 peças sinfónicas deste compositor).

            Um mês depois recebi a resposta deste professor, também ele agradecendo-me o facto de lhe ter dado a conhecer um compositor tão fantástico e mostrando-se igualmente envergonhado por desconhecer até aí a Música de um dos mais extraordinários Sinfonistas do Século XX.

            Servem estes 2 episódios para reforçar a ideia inicial deste artigo.

            Portugal tem e teve sempre (em todas as épocas musicais) excelentes compositores que nos legaram um património valiosíssimo que pode muito facilmente ombrear com o de qualquer outro país.

            O mal não está, nem nunca esteve, na produção, mas sim na quase total ausência de divulgação.

            Divulgar e projectar internacionalmente um património do qual todos nos deveríamos orgulhar é uma obrigação, um dever, que poucos têm cumprido de forma tão exemplarmente eficiente como o já citado Maestro Álvaro Cassuto.

Deveria ser algo normal, perfeitamente corrente.

Não é.

            Por isso, o esforço individual é altamente meritório mas é e será sempre insuficiente.

Rídiculo até se o compararmos com o que a esse nível se faz nos outros países.

            E também não se pode dar a conhecer aos outros aquilo que nós próprios desconhecemos... (Parece-me bem que o grande mal reside aí mesmo!)

            Nunca ouvi um político português dizer que nunca tinha ouvido falar em Camões ou n’ Os Lusíadas...

            Pelo contrário, já ouvi muitos dizerem:

- Sabe, é que eu de Música não percebo nada... (Isto noutro qualquer país europeu é o mesmo que se dizer que se é analfabeto).

Então eu pergunto:

            Porque é que não se vêem programadas com uma frequência e regularidade normais a integral das Sinfonias de Luís de Freitas Branco e de Joly Braga Santos (por exemplo) pelas Orquestras Sinfónica Portuguesa e Orquestra Sinfónica do Porto – Casa da Música (estatais), bem como devidamente programadas temporadas musicais que incluam e destaquem a Música Portuguesa de ontem, de hoje e de sempre, de todos os grandes compositores portugueses nas grandes salas de concertos deste país, sem quaisquer desvios? Assumidamente. Com verdadeiro reconhecimento pela inequívoca qualidade daquilo que é o nosso precioso património musical.

            Quando é que os Programadores e Directores Artísticos das Grandes Salas de Concertos em Portugal deixarão de ter o complexo provinciano de não fazer tocar com regularidade e dignamente (com número de ensaios suficiente) as obras sinfónicas (e não só) dos compositores portugueses?

            Já que tanto apreciam o que é internacional porque é que não prestam mais atenção a algumas críticas internacionais altamente elogiosas às gravações de obras de compositores portugueses, de entre as quais destaco (entre muitas outras possíveis) a atribuição do Prix International du Disque de 2004 – Cannes com a 4ª Sinfonia de Joly Braga Santos pela National Orchestra of Ireland, também ela sob a Direcção do Maestro Álvaro Cassuto?



            Qualquer país civilizado tem orgulho no seu património artístico.

            Então porque é que insistimos neste erro, nesta burrice?



            Pergunto ainda: O que é que os senhores da troika foram ver e ouvir quando estiveram em Lisboa?

            Brahms? Haydn? Mozart? Beethoven?

            Lopes-Graça, Victorino d‘ Almeida, Frederico de Freitas ou Armando José Fernandes não ouviram seguramente.

            Ou terão ido só aos Fados? (Até ouvi dizer que a um deles roubaram a carteira no famoso eléctrico dos turistas...)



            Um país que se diz europeu, com mais de oitocentos anos de história, só pode afirmar-se, projectar-se e progredir verdadeiramente se apostar em desenvolver-se deixando indelevelmente e sem qualquer tipo de complexos a sua marca própria. E isso refere-se antes de tudo o mais à sua Cultura, aos seus valores intrínsecos da Música, do Cinema, da Pintura, da Literatura, naturalmente diferentes das dos gregos, dos suecos, dos alemães ou dos noruegueses.

E aí também terá de estar a nossa Música.

Basta!

Algum dia teremos de mudar.



Nota Final: A minha insistência de hoje neste assumido elogio público ao Maestro Álvaro Cassuto prende-se com o facto deste Chefe de Orquestra já ter gravado mais de 20 discos de música sinfónica portuguesa – um esforço incomparável com quaisquer trabalhos congéneres realizados por qualquer outra figura do meio musical português.

 Miguel Leite