E SE FALÁSSEMOS DE MÚSICA?
Nós, os Portugueses,
somos particularmente maus a divulgar o nosso património cultural e artístico.
Esta afirmação é tanto mais válida e correcta
quando se refere à nossa Música.
A este propósito permito-me contar-vos hoje 2
episódios esclarecedores e paradigmáticos que se passaram comigo:
1 – No já longínquo ano 2000, quando
transportava no meu carro um conjunto de convidados do Festival e Concurso
Internacional de Guitarra da Trofa de regresso ao hotel onde ficariam alojados,
o leitor de CDs do automóvel começou a tocar a 1ª Sonata para Violino e Piano de Luís de Freitas Branco
(1890-1955), na versão do Violinista Tibor Varga e do Pianista Roberto Szidon
(Ed. Strauss de 1995).
Madame Danielle Ribouillaud – então Directora da
Revista “Les Cahiers de La Guitare”,
Doutora em Musicologia pela Universidade de Paris-Sorbonne, colaboradora
regular das Rádios “France Musique” e
“France Culture” - disparou então subitamente
em francês:
- Ah! Que Música maravilhosa! É César Franck,
não é?
Respondi apenas:
- Não, não é, Madame.
Então, e não obstante a origem belga deste
compositor, insistiu:
- Bem… Mas isto é certamente Música de um
Compositor Francês do Século XX que neste momento não estou bem a reconhecer…
- Não, Madame, não é. – Repeti.
- Não me diga que é de um Compositor Português!?
Não é possível! Não posso acreditar!
- Efectivamente, Madame. É a 1ª Sonata para
Violino e Piano de Luís de Freitas Branco.
Encurtando pormenores: Ofereci-lhe o
CD. Tempos mais tarde escreveu-me, agradecendo-me uma vez mais o facto de lhe
ter dado a conhecer um Compositor tão importante e mostrando-se embaraçada por
nunca até então ter sequer ouvido falar de Luís de Freitas Branco.
2 – O 2º caso passou-se com um dos
convidados do Ciclo de Concertos “Pianistas Bracarenses”, que organizei em Braga
em 2009 e 2010, o Pianista Domingos Costa.
À época aluno da Hochschule für Musik Stuttgart, contou-me,
a propósito da sua interpretação das Variações
sobre um Tema Popular Português Op. 1 de Fernando Lopes Graça (1906-1994)
que um dos seus professores desta prestigiada Universidade Alemã nunca tinha
ouvido falar neste Compositor. Inquirido pelo aluno sobre quais os Compositores
Portugueses que ele conhecia terá então respondido: Carlos Seixas (1704-1742) e
muito vagamente um tal Emanuel Nunes (1941-2012) embora relacionando este
último muito mais com a França e com o IRCAM (Institut de Recherche et
Coordination Acoustique/Musique) de Paris do que
propriamente com Portugal.
Como
Português senti-me indignado.
Escrevi-lhe uma
carta e enviei-lhe pelo correio a integral das Sinfonias de Joly Braga Santos
(1924-1988) nas magníficas interpretações das gravações mais recentes do
Maestro Álvaro Cassuto para a Editora Naxos (colectânea que inclui as 6
Sinfonias e mais 11 peças sinfónicas deste compositor).
Um
mês depois recebi a resposta deste professor, também ele agradecendo-me o facto
de lhe ter dado a conhecer um compositor tão fantástico e mostrando-se
igualmente envergonhado por desconhecer até aí a Música de um dos mais
extraordinários Sinfonistas do Século XX.
Servem
estes 2 episódios para reforçar a ideia inicial deste artigo.
Portugal
tem e teve sempre (em todas as épocas musicais) excelentes compositores que nos
legaram um património valiosíssimo que pode muito facilmente ombrear com o de
qualquer outro país.
O
mal não está, nem nunca esteve, na produção, mas sim na quase total ausência de
divulgação.
Divulgar
e projectar internacionalmente um património do qual todos nos deveríamos orgulhar
é uma obrigação, um dever, que poucos têm cumprido de forma tão exemplarmente
eficiente como o já citado Maestro Álvaro Cassuto.
Deveria ser algo normal,
perfeitamente corrente.
Não é.
Por
isso, o esforço individual é altamente meritório mas é e será sempre
insuficiente.
Rídiculo até se o
compararmos com o que a esse nível se faz nos outros países.
E
também não se pode dar a conhecer aos outros aquilo que nós próprios
desconhecemos... (Parece-me bem que o grande mal reside aí mesmo!)
Nunca
ouvi um político português dizer que nunca tinha ouvido falar em Camões ou n’ Os
Lusíadas...
Pelo
contrário, já ouvi muitos dizerem:
- Sabe, é que eu de Música não percebo nada... (Isto noutro qualquer país
europeu é o mesmo que se dizer que se é analfabeto).
Então eu pergunto:
Porque
é que não se vêem programadas com uma frequência e regularidade normais a
integral das Sinfonias de Luís de Freitas Branco e de Joly Braga Santos (por
exemplo) pelas Orquestras Sinfónica Portuguesa e Orquestra Sinfónica do Porto –
Casa da Música (estatais), bem como devidamente programadas temporadas musicais
que incluam e destaquem a Música Portuguesa de ontem, de hoje e de sempre, de
todos os grandes compositores portugueses nas grandes salas de concertos deste
país, sem quaisquer desvios? Assumidamente. Com verdadeiro reconhecimento pela
inequívoca qualidade daquilo que é o nosso precioso património musical.
Quando
é que os Programadores e Directores Artísticos das Grandes Salas de Concertos
em Portugal deixarão de ter o complexo provinciano de não fazer tocar com
regularidade e dignamente (com número de ensaios suficiente) as obras sinfónicas
(e não só) dos compositores portugueses?
Já
que tanto apreciam o que é internacional porque é que não prestam mais atenção
a algumas críticas internacionais altamente elogiosas às gravações de obras de
compositores portugueses, de entre as quais destaco (entre muitas outras
possíveis) a atribuição do Prix International du Disque de 2004 –
Cannes com a 4ª Sinfonia de Joly Braga Santos pela National
Orchestra of Ireland, também ela sob a
Direcção do Maestro Álvaro Cassuto?
Qualquer
país civilizado tem orgulho no seu património artístico.
Então
porque é que insistimos neste erro, nesta burrice?
Pergunto
ainda: O que é que os senhores da troika foram ver e ouvir quando estiveram em
Lisboa?
Brahms?
Haydn? Mozart? Beethoven?
Lopes-Graça,
Victorino d‘ Almeida, Frederico de Freitas ou Armando José Fernandes não
ouviram seguramente.
Ou
terão ido só aos Fados? (Até ouvi dizer que a um deles roubaram a carteira no
famoso eléctrico dos turistas...)
Um
país que se diz europeu, com mais de oitocentos anos de história, só pode
afirmar-se, projectar-se e progredir verdadeiramente se apostar em desenvolver-se
deixando indelevelmente e sem qualquer tipo de complexos a sua marca própria. E
isso refere-se antes de tudo o mais à sua Cultura, aos seus valores intrínsecos
da Música, do Cinema, da Pintura, da Literatura, naturalmente diferentes das
dos gregos, dos suecos, dos alemães ou dos noruegueses.
E aí também terá de
estar a nossa Música.
Basta!
Algum dia teremos de
mudar.
Nota Final: A minha
insistência de hoje neste assumido elogio público ao Maestro Álvaro Cassuto
prende-se com o facto deste Chefe de Orquestra já ter gravado mais de 20 discos
de música sinfónica portuguesa – um esforço incomparável com quaisquer trabalhos
congéneres realizados por qualquer outra figura do meio musical português.
Miguel Leite
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